Este texto é um aprofundamento de uma reflexão que fiz no Instagram, sobre o processo de fazer um doutorado e uma tese. O que se apresenta a seguir é uma visão pessoal sobre minha experiência, e pode ser (muito) diferente das que outras pessoas tiveram. O intuito aqui não é estereotipar o doutorado, mas mostrar, para além do óbvio, o que é essa vivência.
Fazer uma tese de doutorado é se colocar no limite da produção do conhecimento
Uma tese avança a ciência em uma determinada área, onde outras pessoas ainda não chegaram. É necessário um alto grau de ineditismo (seja pelas ferramentas, abordagens teóricas, estudos de caso, dentre outros), o que vai exigir de você pensar com mais competência e profundidade. Mas não se assuste com isso: uma vez pensando dessa forma, outras pesquisas e artigos surgirão com mais facilidade e mais qualidade. Você aumenta o nível dos demais trabalhos que você elabora.
Neste sentido, você começa a pensar mais na qualidade do que na quantidade do que se produz, buscando um maior impacto dos artigos e pesquisas desenvolvidos. Muitas pessoas ainda não se preocupam com o potencial de citação dos trabalhos, e vejo isso como um bom termômetro sobre o quão relevante pode ser a sua produção intelectual. O Google Acadêmico possui uma ferramenta de citações, que pode ser interessante como uma primeira medida de qualidade e impacto.
A produção de conhecimento não vai se limitar a tese. Tantos dados, informações, fontes pesquisadas, e algumas delas não caberão no escopo da pesquisa, mas podem gerar bons artigos (para além dos que serão produzidos derivados da tese). Você está se capacitando enquanto pesquisador, então é natural que haja a necessidade/cobrança de produção. Apenas não deixe que essa produção atrapalhe a tese: torne-a parte do processo.
Fazer uma tese de doutorado é produzir uma pesquisa científica de alto nível por, pelo menos, 4 anos
Um doutorado é uma longa jornada, assim como correr uma maratona ou lapidar uma escultura: requer tempo, dedicação e cuidado (com a pesquisa e consigo). A ansiedade e a vontade de fazer outras atividades paralelamente surgirão, e não há nada de errado nisso, desde que sua tese não seja comprometida. Pode-se produzir artigos e orientar outros trabalhos de temática igual ou similar, como forma de estar estudando para sua tese também.
Nunca compare o seu tempo de doutorado com os demais: cada um de nós tem uma história de vida, que podem nos demandar mais tempo. Respeite seu corpo, sua mente e seu tempo. Concluo minha tese doutorado com 5 anos e meio, e conheço colegas que levaram mais tempo que isso. Mas todos têm pesquisas fantásticas, lapidadas em seus próprios tempos. O doutorado não é uma competição de quem defende primeiro, mas um processo de produção científica e de profissionais qualificados.
Fazer uma tese de doutorado é assumir uma postura independente de investigação
No doutorado, o pesquisador precisa saber se virar sozinho. A figura do(a) orientador(a) costuma ser diferente da graduação e do mestrado, onde ainda estamos aprendendo os princípios do desenvolvimento de pesquisas científicas, e ele se torna mais presente. No doutorado, cabe ao aluno procurar o orientador sempre que necessário, e combinar os períodos de produção textual e orientação. Lembre-se que, no final das contas, é sobre o seu tempo e seu processo no doutorado.
A independência não é somente na aquisição de conhecimento, mas também de habilidades, de aprendizado de novas ferramentas. Não limite a sua pesquisa porque vai precisar de uma ferramenta/software que você não domina: vai lá e aprende! Assim você amplia suas possibilidades metodológicas inclusive para outros trabalhos futuros. Haverão momentos que você precisará ser autodidata, procurar tutoriais e manuais para aprender sozinho, mas aí você exercita também sua capacidade de investigação.
Fazer uma tese de doutorado é um processo de autoconhecimento e autocrítica
O maior inimigo do doutorando é a soberba. Ninguém sabe de tudo, nem se tem todo o conhecimento prévio para produzir uma pesquisa deste nível. É ao longo do processo que a tese, o problema de pesquisa, a hipótese e todas as demais etapas vão se tornando mais claras e delineadas.
Nenhuma pesquisa de qualidade é feita “de primeira” e em curto espaço de tempo: o texto precisa ser revisado várias vezes, inclusive às vésperas da entrega para a banca final. Sempre haverá algo que pode ser melhorado, e a busca pela qualidade vai ajudar a elevar o nível de sua escrita e da pesquisa. Todo dia, surge algo novo para se absorver, e cabe ao doutorando delimitar o que é relevante ou não.
O autoconhecimento e a autocrítica também vão fazer com que você possa passar com mais serenidade pelos momentos de frustração. Sim, eles existem! Seja um texto que não está conseguindo corrigir, um dado que não consegue analisar, um programa que não está funcionando corretamente, os prazos que vão findando… a lista é longa. Mas, que as frustações sirvam para direcionar as soluções. A tese pode nãos e tornar aquela que você pensou no começo, mas será uma contribuição relevante para a ciência, e este é o ponto mais importante.
Fazer uma tese de doutorado é aprender a lidar com diversas responsabilidades simultaneamente
Alguns alunos conseguem bolsas de estudo, que exigem dedicação exclusiva para a realização do doutorado. Porém, atualmente, a maioria dos programas de pós-graduação dispões de poucas bolsas, o que faz com que a maioria dos doutorandos exerçam outras atividades paralelas de trabalho. Além disso, aspectos relacionados à vida pessoal e problemas do dia-a-dia vão exigir de você um melhor gerenciamento de tempo. Manter um diálogo aberto com o(a) orientador(a) sobre isso ajuda no processo.
Fazer uma tese de doutorado é saber ter humildade
Existe um estereótipo já muito difundido na sociedade que coloca um doutor como alguém que detém a “verdade”, cujo julgamento está acima de qualquer crítica. Fazer um doutorado não nos coloca numa posição de superioridade intelectual. Por mais que você seja o autor da tese, ela teve contribuições de outras pessoas, do(a) orientador(a), de colegas do grupo de pesquisa… então, é uma construção conjunta.
A conclusão de uma tese de doutorado também não significa o fim do estudar: todos os dias, novas teorias métodos são publicados e novos problemas de pesquisa surgem. Devemos sempre manter o espírito de aprendizado e acolher outras pessoas nesse processo.
O professor Vinícius de Moraes Netto, no texto “Como definir o problema de pesquisa e escrever um texto científico”, fala da importância de não subestimar estudantes e pesquisadores em formação, no processo de produção científica. Mesmo doutores podem aprender muito com mestrandos e graduandos – todos temos algo a ensinar para os demais.
Vale a pena fazer um doutorado?
Com base na experiência que tive no PPGAU-UFRN (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), eu digo que sim. Aquele que tem o gosto pelo estudar/pesquisar saberá aproveitar as oportunidades que surgem. Posso dizer que sou outra pessoa após o doutorado.
Infelizmente, como muitas coisas na vida, problemas e obstáculos surgiram no processo: pandemia, perda de amigos e pessoas queridas, saúde mental e física, falta de reconhecimento e valorização profissional, colegas de trabalho que não entenderam a necessidade de momentos de foco na tese. Mas se me perguntarem, eu faria tudo de novo.
Mas não nos esqueçamos: a tese é parte de algo maior chamado vida.
